sábado, 19 de outubro de 2019


Rota da Desfolhada
Outrora…
Quando o controlo sobre as raparigas era exercido de uma forma rígida e temerária pelos pais e outros membros da família, quase não sobrava tempo nem espaço para elas conseguirem trocar uma palavra ou um simples sorriso com os rapazes…
Assim, todos os momentos eram solenemente aproveitados. Um deles seriam as tarefas inerentes às fainas agrícolas que se realizam ao longo de todo o ano. De todas destacamos a Desfolhada.
Acontecia, normalmente, em finais de Setembro. Convidavam-se os amigos, vizinhos, conhecidos e a família. Afinal tratava-se de um trabalho comunitário.  Parece uma leve e fácil labuta, mas apresenta-se como algo bastante duro, especialmente para as mãos.
Com uma foice, inicia-se o corte do milho. Canta-se. Ao longe, ouve-se estridente som que nos proporcionam os rodados dos carros de bois. Alegre e energicamente é lá colocado o milho. Trocam-se palavras. Soltam-se olhares. Semeiam-se sorrisos. Alimentam-se sonhos. O milho é transportado para a Eira. Dos desbotados tons verdes/acastanhados reluz o fascinante amarelado das espigas.  À sua roda juntam-se todos os participantes.  Despe-se a maçaroca do milho. Cestos em vime enchem-se. Ansiosos, os mais novos  apressam-se a colher as espigas. A sua rapidez oferecer-lhes-á uma maior probabilidade de serem presenteados com uma espiga coberta de avermelhados grãos – O Milho Rei. Será esse o passaporte que lhes garantirá a possibilidade de beijarem as pessoas do sexo oposto que colorindo alegremente a roda, compõem e fundamentam a desfolhada. Esse, constituía um momento mágico, único, especial e secretamente desejado pelos mais novos...
Saboreavam-se iguarias como bacalhau frito, arroz de feijão, sardinhas, enchidos e bolo. Tudo bem regado com o belo néctar da região. As concertinas e gaitas de beiços entoavam ritmados sons que alegremente embalavam danças, adoçavam cantares e despertavam felizes corações…afinal era a Desfolhada!  
Nos dias de hoje…
E foi numa das mais características, históricas e distantes freguesias do centro de Fafe que se reuniram, numa bela manhã de Outono, cerca de uma centena de pedestrianistas para iniciarem “A Rota da Desfolhada”. A freguesia de Várzea Cova engalanou-se, pois teve o privilégio de ser a nobre, solene e simpática anfitriã.
A bela Quinta que nos recebeu fez questão de se aprumar a preceito, pois tinha a responsabilidade de, acolhendo-nos, revelar algumas mais-valias da região, assim como mostrar-nos alguns tradicionais usos e costumes ancestrais.  As boas vindas foram concedidas pelas entidades locais, com admirável simpatia.
Espreitando por entre dois majestosos exemplares de espigueiros vislumbramos alguns utensílios agrícolas. Entre outros,  destacamos os seguintes: uma charrua, forquilha, enxada, balança, sacho, pulverizador, arado, semeador, carro de bois, grade e cestos em vime. Por baixo da casa e realçando o negrume do seu chão em terra, admiramos uma antiquíssima mas preservada  adega.
Ainda antes de colocarmos os pés ao caminho e também para aconchegar o estômago e o espírito, fomos  “castigados” com alguns miminhos da região!
Entre o verde dos lameiros, o castanho e amarelo das folhas das árvores, o azul do céu, a candura das nuvens e a cristalina água que torneava rochas enlaçadas em borbulhas de espuma, sentimos, no harmonioso chilrear dos pássaros, a alegria de rebanhos que se saciavam em ondas suculentas de generosas e verdejantes ervas! 
Num interessante viveiro de trutas onde não as podemos saborear, fomos presenteados com pequenos nacos de excitante chocolate. Tivemos também a possibilidade de conhecer a técnica utilizada na transformação de óleos já usados, reutilizá-los e transformá-los em aromáticos sabonetes.
Pedras de musgo, camufladas entre folhas, caruma e pequenos ramos, rasgavam íngremes trilhos, abraçados por líquenes que protegiam sumptuosas manchas de carvalhos.  Concluída  a subida, restou-nos contemplar até ao horizonte, todo o encanto, imensidão e magia das serranias de Fafe. Mas, lá no fundo, Bastelo já espreitava...
Terra de usos, costumes e tradições, Bastelo,  conta ainda na memória das suas gentes, algumas curiosas lendas onde destacamos esta:  As mulheres, quando não têm leite para amamentar os filhos, recorrem ao São Mamede – advogado da fome. Esfregam uma côdea de pão na imagem do santo, metem-na numa malga de vinho que bebem de imediato e voltam a ter leite. Este ritual é também utilizado nos animais.
No espaço onde as crianças se recreavam no intervalo das aulas, concederam-nos mais uma desejada e retemperadora pausa. Entre o convívio e algumas iguarias colocadas em improvisadas mesas e dois pés de conversa, pudemos também apreciar um aromático e saboroso café. Como as crianças que correndo alegremente, deixam a pequenez de uma sala de aulas de uma inusitada escola plantada num miradouro natural, retomámos a caminhada, mas sem antes deixar de absorver e eternizar uma panorâmica que os olhos sentem, o  coração vê e a alma contempla! 
Despedimo-nos de Bastelo que na ponta dos seus  664 metros de altitude nos transmite muita beleza, quietação e paz de espírito.
Por entre seculares calçadas de granito rasgadas noutros tempos, pela inevitabilidade da passagem de pesados carros de bois que transportavam essencialmente os produtos da terra,  continuámos, paulatina e alegremente descendo a encosta da montanha.
Ao longe e entre o casario, já se distinguia a torre da igreja! Estávamos novamente em Várzea Cova – o nosso ponto de partida.
Aguardava-nos um dos momentos mais desejados por todos: a recriação de uma Desfolhada à Moda Antiga. 
Na pequena quinta sobressaía a casa, a eira, o tanque da água, os dois espigueiros e a adega. Tudo permanecia no seu lugar, como estaria a cem ou mais anos. Mas agora tudo se encontra silenciosamente mais velho, mais penoso, com novo rosto mas sem alma, faltando o calor da vivência de outros tempos!
Agitam-se os sentidos pelos generosos aromas da refeição, pelo som estridente do rodado do carro de bois que entretanto chega, pelos trajes multicolores das crianças, mulheres e homens que compõem o Rancho Folclórico de Passos e que desejavelmente se assenhoram do nosso espaço. E, incrivelmente, tudo em nossa volta se move, se transforma, se revitaliza e ganha outra energia…como incrivelmente se tratasse, da mais pura, inocente e angélica magia!
Com a mão que segura a foice, cortam-se as canas de milho e transportam-se até ao inolvidável carro em madeira puxado por dois portentosos animais. Em cima dele, encontra-se o homem que com sabedoria vai empilhando meticulosamente as canas de milho. São centenas as fotos que se fazem! Os componentes do rancho esmeram-se com afinco e bastante alegria no desenrolar de tão árdua tarefa!
As ruas enchem-se de curiosos para ver o cortejo passar! Na frente, com a altivez e a imponência que um animal de oitocentos quilos ostenta, segue o carro de bois apinhado de canas floridas de milho. Logo a seguir o rancho folclórico marca o seu espaço com a diversidade dos trajes, das cores e das músicas. Finalmente os participantes na caminhada, o povo da aldeia e muitos curiosos. 
O momento mais aguardado já espreita. As canas, com espigas cor de ouro, são colocadas no chão umas sobre as outras. Em sua roda e estrategicamente distribuem-se os participantes. Trocam-se palavras…e sorrisos. Desnuda-se cana após cana. Os cestos em vime enchem-se. Os mais novos, como antigamente, anseiam por aquele momento tão desejado, sublime, único, aquele que locupleta a alma de tamanha alegria e onde o próprio coração emudece: O Milho Rei !!!
Hoje, como ontem, ouvem-se as concertinas, baila-se, convive-se em torno de uma sardinha, uma côdea de broa, um copo cheio de vinho. Tudo ganha outro colorido. Porque hoje, na pequena Quinta, o cinzento deu lugar ao colorido, com vida, com partilha, alegria e sobretudo palavras e sorrisos, muitos sorrisos!
Outubro2019, F. Beça 

Promoção:
Restauradores da Granja
Organização:
- Restauradores da Granja/Fafe – Secção de Pedestrianismo
- Federação de Campismo e Montanhismo de Portugal
- Associação Cultural e Desportiva de Várzea Cova
- Associação Cultural e Recreativa de Folclore de Passos
Parceiro institucional:
- IPDJ – Instituto Português do Desporto e Juventude
Apoios:
- União de Freguesias de Moreira do Rei e Várzea Cova
- Câmara Municipal de Fafe
- Junta de Freguesia de Fafe
- Casa Rural de Couvila
- Casa Rural das Aveleiras
- Piovácora Parque de Pesca
- Cercifaf
- Vinhos Norte
- E.Leclerc Hipermercado – Fafe
- Móveis Bela Vista
Atividade inserida na:
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